Por Dora Carvalho
Quando
ouvimos que um diretor pretende trazer de volta um sucesso do cinema do
passado, a tendência é a desconfiança. Não foi diferente com Blade Runner –
2049, assim que os primeiros rumores sobre as filmagens começaram a pipocar
aqui e ali. Mas, ao saber que a direção ficaria com Denis Villeneuve e que o
produtor seria Ridley Scott, as expectativas do renascimento de um grande
clássico do cinema só aumentaram.
Blade
Runner – O caçador de andróides (1982) é o ponto de partida para uma safra de
filmes de ficção científica em que a luta entre o bem e o mal começa a ficar em
segundo plano em filmes do gênero e as discussões giram em torno sobre o que
deu de tão errado no sonho do super desenvolvimento humano; a tecnologia não é
mais aliada da humanidade, ao contrário, torna-se um reflexo da decadência de
uma sociedade. Dirigido por Ridley Scott, quando estreou nos cinemas, foi pouco
compreendido e um fracasso de bilheteria nos Estados Unidos. Há muita polêmica
em torno do filme, já que à epoca os estudios quiseram amenizar aspectos mais
densos do filme e mudaram até cortes e as cores de algumas cenas. Só em 1992, Scott lançou o DVD com “a versão do diretor” e, em
2005, foi lançada uma caixa com quatro versões do longa, incluindo a
apresentada em festivais. O fato é que Blade Runner, aos poucos, foi ganhando
contornos de filme cult e hoje é considerado um dos melhores do gênero sci-fi.
Baseado no
romance “Andróides sonham com ovelhas elétricas”, de Philip K. Dick, publicado
originalmente em 1968, portanto, prestes a completar 50 anos, contempla alguns
aspectos do enredo do livro. O filme tem no elenco Harrison Ford, que fazia o
detetive Deckard, encarregado de caçar e “aposentar” quatro andróides
desertores, os chamados Replicantes, de uma geração de robôs chamada de Nexus 6.
Após uma rebelião, esses robôs começaram a ser eliminados. O único objetivo
dessas criaturas sofisticadas e a mais próxima possível de um ser humano era
ter mais tempo de vida. A atriz Daryl Hannah e o ator Hutger Hauer eram a
personificação dessa beleza e perfeição robótica. Hauer faz uma das cenas mais
lindas e filosóficas do cinema ao final do filme.
Mas por quê
Blade Runner agora é considerado um filme tão bom? Para a época, não era comum
a mistura de gêneros estéticos a que Ridley Scott se propôs: o longa tem um
aspecto retrofuturista. Apesar de ser ambientado em 2019, a estética adotada
era dos filmes noir. É uma mistura de toda ambientação futurista – prédios,
luzes, anúncios holográficos e luminosos que lembra Shibuya, bairro de Tóquio,
com um clima anos 50 – chuva constante (no caso aqui, chuva ácida, devido à
poluição), figurino de Sean Young, par romântico de Harrison Ford, um detetive
decadente e bem característico do gênero noir, e um certo sentimento de Guerra
Fria que ainda pairava no mundo no início dos anos 80. É uma mistura difícil de ser
compreendida naquele momento, mas que deu origem a outras obras do tipo e, aos
poucos, o público foi percebendo a grandeza do filme. E ainda tinha a belíssima
trilha sonora assinada por Vangelis, absolutamente inesquecível.
E agora,
onde Denis Villeneuve acertou? Em primeiro lugar, em não tentar fazer um remake
ou reboot do original. Ao contrário, tenta explorar outros aspectos do romance
de Philip K. Dick que não foram contemplados no primeiro filme. Mas teve a
inteligência de não desagradar os fãs do filme de 1982, utilizando-se de
diversas referências ao longa de Ridley Scott, para homenagear e ao mesmo tempo
contextualizar o espectador. Villeneuve foi sutil em colocar sua própria
assinatura e quem acompanha outros trabalhos do diretor logo vai perceber isso.
Dá para perceber os planos super abertos, a grandiosidade das tomadas que se alternam
com o foco fechado no rosto dos atores. Outro ponto positivo foi o fato de o
diretor evitar o didatismo e excesso de explicações para quem não assistiu o
primeiro filme. Isso torna o longa único para quem tem acesso ao enredo pela
primeira vez. Mas, sobretudo, por também não ser um filme que só se utiliza de
efeitos especiais. Fica evidente que a tecnologia cinematográfica é utilizada
para torná-la uma intensa experiência estética de cinema e o espectador sai da
sala sabendo que viu um filme marcante.
Ryan
Gosling e Robin Wright estão bem no filme, mas é lógico que a aparição do próprio
Harrison Ford dá uma reviravolta na história e a trama se torna mais intensa até
o ápice. Duas coisas que faltaram: talvez um vilão mais contundente – Jared Leto,
embora ótimo, talvez tenha ficado mais com ares de Jedi do que de vilão. E,
para quem viu o primeiro filme, há uma certa expectativa de um final apoteótico.
O cuidado de Villeneuve em todo 2049 não resultou em um final surpreendente.
Mas o filme surpreende sim por todo o conjunto e merece ser visto na tela
grande. Um dos poucos que vale sim assistir em 3D.
Denis
Villeneuve acertou em cheio com o filme “A chegada”, um dos
melhores de ficção científica do ano. E termina 2017 com outro grande êxito. É para
ficar de olho nesse diretor, que promete, até o momento, ser um dos grandes.