domingo, 2 de abril de 2017

Vigilante do Amanhã: o cyberpunk está de volta

Por Dora Carvalho


Em 1985, o escritor norte-americano William Gibson lançou a obra Neuromancer, considerada um marco do surgimento do termo e estética cyberpunk. O livro retrata um futuro próximo em que a sociedade é dominada por grandes corporações e os humanos têm partes do corpo aperfeiçoadas com a robótica. Poucos anos depois, entre 1989 e 1991, o artista japonês de mangás, Masamune Shirow, publicou Ghost in the Shell, inspirado em Gibson. O enredo se passa em 2029 e apresenta uma sociedade em que os humanos acessam redes de informações com os cyber-cérebros. Qualquer dano ou insatisfação corporais são reparados com substituições cibernéticas. A protagonista é a Major Motoko Kusanagi, cuja única condição humana está no “salvamento” do cérebro da personagem, que foi implantado em um corpo robô.
Ghost in the Shell é um sucesso entre os fãs de mangás e animes. A sofisticação do enredo, dos traços do mangá e das adaptações para televisão e games arregimentou uma grande legião de fãs não apenas no Japão como em todo mundo. A notícia da adaptação para uma live-action na telona gerou bastante expectativa de quanto os produtores e diretores seriam fiéis à obra original, sobretudo, no que diz respeito às discussões filosóficas sobre a existência humana e os limites tecnológicos. Como Matrix (1999) também teve como uma das inspirações Ghost in the Shell, fãs do gênero esperavam uma espécie de revival. 
O longa A vigilante do amanhã – título dado à história aqui no Brasil e que acaba de estrear - é dirigido pelo diretor pouco conhecido Rupert Sanders (Branca de Neve e o Caçador /2012).
É claro que os fãs mais ardorosos tanto do mangá quanto do anime terão pontos de insatisfação. Visto a partir das referências as quais o filme se inspira, o enredo cinematográfico é uma espécie de introdução ao universo de Ghost in the Shell.
Mas quem está interessado nas diversas referências que servem de inspiração para o filme, assim como as cenas de ação e efeitos visuais, pode sair da sala de cinema querendo saber mais. E quem é fã da estética cyberpunk e, principalmente de Neuromancer e Reconhecimento de padrões de William Gibson, vai identificar no enredo e nas cenas de ação diálogos e diversas passagens descritas nos dois romances do escritor norte-americano. Gibson praticamente profetizou os avanços tecnológicos contemporâneos e como isso tudo é encantador e ao mesmo tempo nocivo, quando o excesso de tecnologia vai tomando conta de nossas vidas. 
Sem dúvida alguma, o enredo distópico de A vigilante do amanhã toca nesses pontos. O estranhamento inicial em relação à escalação de Scarlett Johansson como protagonista – houve certa polêmica por ela ser ocidental – se desfaz nos primeiros minutos, já que o enredo trata de uma sociedade altamente globalizada, sem distinção de países e múltiplas nacionalidades. Quem já leu livros cyberpunks sabe que esse tipo de distinção entre povos é praticamente inexistente, já que a tecnologia acessa tudo e a todos. 
O fato é que Johansson está bem na pele da Major Motoko, a atriz transmite muita empatia em relação à personagem, transferindo a discussão filosófica da história original para um contexto mais intimista, além, é claro, de protagonizar as melhores cenas de ação do filme. Major é líder de uma equipe de agentes do Setor 9, grupo especializado em terrorismo cibernético. O ator dinamarquês Pilou Asbœk é Batou, um agente de olhos de raio-x que acompanha Matoko nas missões, assim como Togusa (Chin Han), um atirador que não aceita melhorias tecnológicas no corpo. O chefe do setor é Daisuke Aramaki, vivido pelo ator japonês Takeshi Kitano, referência no universo da cultura pop japonesa. Os diretores deram a satisfação aos espectadores de deixá-lo falando somente em japonês. Juliette Binoche faz a doutora Ouelet, responsável pelo projeto que criou a robô Major. É através dela que surge um pouco da discussão dos limites entre humanos e robôs.

O que fica de A vigilante do amanhã é um desejo de ler e assistir cada vez mais obras relacionadas ao universo cyberpunk. Dois elementos do filme o tornam uma homenagem a esse estilo de ficção científica: a trilha sonora fiel ao anime japonês, com obras que vão de Mozart a Debussy, passando por música eletrônica japonesa e a fotografia absolutamente inspirada no cinema noir, com referência direta à Blade Runner. As cenas holográficas deixam isso evidente.






A sequência de abertura do filme é muito fiel a do anime. Veja abaixo:




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