Por Dora Carvalho
Em 1985, o
escritor norte-americano William Gibson lançou a obra Neuromancer, considerada
um marco do surgimento do termo e estética cyberpunk. O livro retrata um futuro
próximo em que a sociedade é dominada por grandes corporações e os humanos têm
partes do corpo aperfeiçoadas com a robótica. Poucos anos depois, entre 1989 e
1991, o artista japonês de mangás, Masamune Shirow, publicou Ghost in the
Shell, inspirado em Gibson. O enredo se passa em 2029 e apresenta uma sociedade em que os humanos
acessam redes de informações com os cyber-cérebros. Qualquer dano ou
insatisfação corporais são reparados com substituições cibernéticas. A
protagonista é a Major Motoko Kusanagi, cuja única condição humana está no
“salvamento” do cérebro da personagem, que foi implantado em um corpo robô.
Ghost in
the Shell é um sucesso entre os fãs de mangás e animes. A sofisticação do
enredo, dos traços do mangá e das adaptações para televisão e games
arregimentou uma grande legião de fãs não apenas no Japão como em todo mundo. A
notícia da adaptação para uma live-action na telona gerou bastante expectativa
de quanto os produtores e diretores seriam fiéis à obra original, sobretudo, no
que diz respeito às discussões filosóficas sobre a existência humana e os
limites tecnológicos. Como Matrix (1999) também teve como uma das inspirações Ghost in the Shell, fãs do gênero esperavam uma espécie de revival.
O longa A vigilante do amanhã – título dado à história
aqui no Brasil e que acaba de estrear - é dirigido pelo diretor pouco conhecido
Rupert Sanders (Branca de Neve e o Caçador /2012).
É claro que
os fãs mais ardorosos tanto do mangá quanto do anime terão pontos de
insatisfação. Visto a partir das referências as quais o filme se inspira, o
enredo cinematográfico é uma espécie de introdução ao universo de Ghost in the
Shell.
Mas quem
está interessado nas diversas referências que servem de inspiração para o
filme, assim como as cenas de ação e efeitos visuais, pode sair da sala de
cinema querendo saber mais. E quem é fã da estética cyberpunk e, principalmente
de Neuromancer e Reconhecimento de padrões de William Gibson, vai identificar
no enredo e nas cenas de ação diálogos e diversas passagens descritas nos dois
romances do escritor norte-americano. Gibson praticamente profetizou os avanços
tecnológicos contemporâneos e como isso tudo é encantador e ao mesmo tempo
nocivo, quando o excesso de tecnologia vai tomando conta de nossas vidas.
Sem
dúvida alguma, o enredo distópico de A vigilante do amanhã toca nesses pontos.
O estranhamento inicial em relação à escalação de Scarlett Johansson como
protagonista – houve certa polêmica por ela ser ocidental – se desfaz nos
primeiros minutos, já que o enredo trata de uma sociedade altamente
globalizada, sem distinção de países e múltiplas nacionalidades. Quem já leu
livros cyberpunks sabe que esse tipo de distinção entre povos é praticamente
inexistente, já que a tecnologia acessa tudo e a todos.
O
fato é que Johansson está bem na pele da Major Motoko, a atriz transmite
muita empatia em relação à personagem, transferindo a discussão filosófica da
história original para um contexto mais intimista, além, é claro, de
protagonizar as melhores cenas de ação do filme. Major é líder de uma equipe de
agentes do Setor 9, grupo especializado em terrorismo cibernético. O ator
dinamarquês Pilou Asbœk é Batou, um agente de olhos de
raio-x que acompanha Matoko nas missões, assim como Togusa (Chin Han), um
atirador que não aceita melhorias tecnológicas no corpo. O chefe do setor é
Daisuke Aramaki, vivido pelo ator japonês Takeshi Kitano, referência no
universo da cultura pop japonesa. Os diretores deram a satisfação aos
espectadores de deixá-lo falando somente em japonês. Juliette Binoche faz a
doutora Ouelet, responsável pelo projeto que criou a robô Major. É através dela
que surge um pouco da discussão dos limites entre humanos e robôs.
O que fica
de A vigilante do amanhã é um desejo de ler e assistir cada vez mais obras
relacionadas ao universo cyberpunk. Dois elementos do filme o tornam uma
homenagem a esse estilo de ficção científica: a trilha sonora fiel ao anime
japonês, com obras que vão de Mozart a Debussy, passando por música eletrônica
japonesa e a fotografia absolutamente inspirada no cinema noir, com referência
direta à Blade Runner. As cenas holográficas deixam isso evidente.
A sequência de abertura do filme é muito fiel a do anime. Veja abaixo: