sábado, 26 de março de 2016

A grande aposta: como entender o cassino global

Por Dora Carvalho

Não importa se você não entende nada de swaps, subprimes, títulos podres ou classificação de risco BB, BBB+ ou AAA. Se você quer saber como se deu o maior colapso financeiro global, não deixe de assistir o filme A grande aposta (2015).
Dirigido por Adam McKay, diretor com produções inexpressivas e que coloca agora no currículo um longa que, sem dúvida, o deixa em destaque, não apenas por ter recebido a indicação de Oscar de melhor filme e diretor, mas por que de fato é uma história que põe o dedo na ferida e deixa o espectador grudado na cadeira do começo ao fim. Esse era um dos filmes que tinha muita expectativa para este ano e não me decepcionei.
“A grande aposta” a que se refere ao título do filme nada mais é a história real de quatro investidores que conseguiram a façanha de prever o que ninguém “queria ver antes": o grande colapso financeiro de 2008, que culminou na maior crise econômica já registrada na história.
Com um ritmo de documentário e narrado por Ryan Gosling, que faz o papel do investidor Jared Vennet, do Deutsche Bank, o longa começa com a história de Michael Burry (Christian Bale – excelente no papel, não à toa recebeu indicação para o Oscar), um dos primeiros a perceber que o mercado hipotecário norte-americano estava à beira de um salto de inadimplência sem precedentes. Obviamente, ninguém acreditou. Uma série de acontecimentos tão surreais que tornam a realidade excelente para virar um filme de ficção levam os outros investidores a quase que literalmente “farejar” que algo estranho estava acontecendo no mercado.
O enredo segue em ritmo vertiginoso, elevando o suspense ao absurdo, porque já sabemos o que aconteceu de fato – a crise global – mas o roteiro nos leva a querer saber se esses personagens conseguiram aproveitar a grande sacada que tiveram. Os problemas pessoais e a incrível aposta que esses investidores fizeram é colocada no filme de forma a gerar total identificação no espectador: o que você faria no lugar deles? Isso é genial no roteiro, porque, é lógico, parte-se do princípio de que sabemos o final da história. Gera-se então novas maneiras de suspense que prende o espectador de modo que se possa entrar na loucura que foram as decisões tomadas no cassino global que se tornou a economia do planeta. Garotos que tomavam decisões que afetaram a renda e os empregos de milhares de operários, aposentados e pensionistas em todo o mundo. O mais interessante do filme é percebermos que no meio daquele apocalipse quem imaginávamos que sairia perdendo também foram os grandes vencedores.
O elenco estrelado, que tem Brad Pitt, Steve Carrell e Marisa Tomei, tem o mérito de tratar a coisa toda como um grande deboche, tamanho o absurdo das circunstâncias apresentadas ao longo da história e é como de fato aconteceram. A melhor pergunta do filme: “afinal, você é um investidor ou um traficante?”. Outro ponto positivo: não há maniqueísmo – nada de vilões ou mocinhos. Ninguém está interessado em ser legal e sim ganhar o máximo ou perder o menos possível. Mas a história não termina nada bem. E todos sabemos disso.

É lógico que o filme vai gerar ainda mais perguntas. Sugiro então ver o documentário Trabalho Interno (Inside Job/2010), dirigido por Charles Ferguson, vencedor do Oscar de melhor documentário. E veja como é possível ficar muito rico apenas fechando os olhos para a realidade.







domingo, 13 de março de 2016

Mr. Holmes: quando o filme é melhor que o livro

Por Dora Carvalho

São raríssimas as vezes em que um filme consegue superar um livro. Mr. Holmes escrito pelo autor norte-americano Mitch Cullin é um livro promissor logo no início. Promete uma história muito interessante e singular ao recriar um mundo em que o famoso personagem de Arthur Conan Doyle ultrapassa os 90 anos e vive tranquilamente cuidando de abelhas em uma bucólica residência no litoral da Inglaterra.
A história parte da premissa de que Sherlock Holmes deixou um caso sem solução no passado e isso perturba o personagem mesmo quando percebe que está chegando ao fim de sua existência. Mas, ao longo da trama, o livro perde o fôlego e tem um final um tanto decepcionante, situação corrigida no roteiro cinematográfico.
O longa tem a direção de Bill Condon (vencedor do Oscar por Deuses e Monstros/1998 ) e Ian McKellen faz o papel de Mr. Holmes na velhice. O carisma do ator em conjunto com a excelente escolha de coadjuvantes, como Laura Linney, dão o tom do filme.
Nessas horas percebemos o quanto a sétima arte pode enriquecer uma história que tinha tudo para ser boa, mas carece de certa sensibilidade para recriar um personagem tão fixado na memória dos fãs.

Mr Holmes é um filme delicado e, sobretudo, respeitoso à fama do detetive, com certa dose cômica. Tem mistério na dose certa ao mesclar o passado e o presente do personagem, conduzindo o espectador a solucionar o desfecho da trama. Destaque ainda para a excelente trilha sonora assinada por Carter Burwell.  O filme teve muito atraso no lançamento no Brasil e ficou muito pouco tempo em cartaz nos cinemas, mas, felizmente, já está disponível em DVDs e streaming.




domingo, 6 de março de 2016

A garota dinamarquesa merece mais atenção

Por Dora Carvalho

Tom Hooper é um diretor para prestar muita atenção. Ganhador de Oscar em 2011 pelo filme O discurso do rei, causou, à epoca, controvérsias, pois concorria com David Fincher, irmãos Coen, David Russell e Darren Aronofsky e havia uma certa torcida para os filmes A rede social e Cisne Negro.
É certo que O discurso do rei é um excelente filme, redondo, bem executado, mas a polêmica sobre a premiação é válida, pois não é um longa que sugere grandes inovações cinematográficas (embora eu adore o filme, sobretudo por causa da atuação de Colin Firth, também ganhador do Oscar pelo longa). Mas o tempo está mostrando que Hooper é um diretor em ascensão, sem oscilações que diminuam a credibilidade e consistência. O filme A garota dinamarquesa (2015) parece ser a prova disso.
O cineasta tem apenas 44 anos e os primeiros trabalhos mais famosos foram na BBC, em que dirigiu a belíssima série Daniel Deronda (2002), baseada no livro de Mary Ann Evans, que assinava com o pseudônimo de George Eliot.  Também foi responsável pela impecável direção da minissérie John Adams (2008), transmitida pela HBO.
Hooper parece ser um diretor dos novos tempos, cuja versatilidade para TV e cinema acabaram por transformá-lo em alguém que muda as feições do próprio estilo a cada produção. Em A garota dinamarquesa percebe-se a mão minuciosa do diretor, que pincela detalhes, passando pela grande atenção à interpretação dos atores, deixando-os à vontade em cena (isso me parece nítido), além da fotografia sempre lindíssima, assinada por Danny Cohen, que já fez parceria com Hooper nos quatro últimos longas do diretor. Vale destacar ainda os recursos cenográficos e enquadramentos que sugerem ora amplitude ora foco, em pequenos instantes de aparente insignificância para trama, que depois saltam aos olhos para fazer toda a diferença no enredo.
O longa A garota dinamarquesa conta o drama vivido pelo pintor Einer Weneger/Lili Elbe (interpretado pelo ator Eddie Redmayne), primeiro na história a se submeter à cirurgia de mudança de sexo. Weneger foi casado com a também artista plástica Gerda Weneger, que o apoiou no processo de mudança. O foco do filme é a descoberta do artista como mulher e o relacionamento com a esposa. Há muitas divergências quanto a acuidade histórica, pois o filme é apenas inspirado no livro de título homônimo escrito por David Ebershoff. 
A belíssima fotografia e a maneira como a luz é aproveitada mostra claramente que se trata de um universo de artistas plásticos e do olhar desses personagens em relação ao mundo, sempre a procura da melhor luminosidade, ângulo e a captura de uma essência para as coisas e nos leva, pouco a pouco no enredo, a também procurar a essência dos personagens. 
A história se passa nos final dos anos 20, o belíssimo período da explosão das artes plásticas na Europa e o filme, sem dúvida, resgata isso, com cenas que lembram uma pintura impressionista.
Mas o que chama a atenção realmente é o fato de, mais uma vez, Tom Hooper ser responsável por uma produção notável, que merecia ter tido mais atenção por parte da Academia de Cinema, com mais indicações.
Sem dúvida, não é apenas um drama comovente. É uma história que alerta para o fato de que, ainda hoje, com tantas inovações na Medicina, e após tantas décadas, ainda é um tema tratado com absoluto descaso. A interpretação de tirar o fôlego de Eddie Redmayne, que também merecida o Oscar, e de Alicia Vikander (que ganhou a premiação na categoria atriz coadjuvante) nos leva a uma série de questionamentos. Preste atenção no diretor. E também fique atento à mensagem do filme.