domingo, 30 de outubro de 2016

Outlander: viagem às Terras Altas da Escócia

A série de livros Outlander, ou A viajante do tempo, começou a ser escrita em 1988 de forma bastante despretensiosa, segundo a autora norte-americana Diana Gabaldon. Acabou se tornando uma super saga de oito volumes e, só recentemente, em 2014, ganhou as telinhas do canal Starz, dos Estados Unidos, com expressivo sucesso de crítica e público já no episódio-piloto. Tanto que os produtores, ainda no início da exibição dos primeiros 16 capítulos, decidiram renovar para a segunda temporada e, neste ano, mais duas sequências já foram confirmadas. Então, pelo menos até a quarta temporada o show está garantido. Aqui no Brasil, finalmente chegou ao Netflix, para alegria dos fãs dos livros, o que pode garantir novos episódios no serviço de streaming.
Diana Gabaldon está bem próxima da produção, oferecendo consultoria para os roteiristas. A primeira temporada tem episódios com a supervisão de Ronald D. Moore, criador da série para a TV. A escritora fez uma breve participação em uma cena do quarto episódio - “The Gathering”, como a personagem Iona McTavish.
Esse trabalho próximo da autora na adaptação da série para a TV garantiu muita precisão na escolha dos atores. O personagem de Jamie Fraser, vivido na telinha pelo ator escocês Sam Heughan, é a personificação de um montanhês do século 18. Além da caracterização, demonstra estar muito à vontade ao falar gaélico escocês. Caitriona Balfe, que faz a protagonista Claire, se entregou de tal forma ao papel que arrisco dizer que parece melhor do que a personagem do livro, descrita com personalidade um pouco mais hesitante no texto de Diana Gabaldon. A atriz deu nuances diferentes à personagem que, apesar de se deparar com a violência e os costumes de uma outra época, se apresenta de uma maneira mais convincente diante das dificuldades para alguém que viaja 200 anos na história e se depara com um tempo de violência e instabilidade política entre os escoceses e ingleses. Claire também precisa lidar com uma época em que era esperado das mulheres uma obediência cega aos maridos e, sendo alguém do futuro e com o conhecimento de fatos históricos, se utiliza de muito tato para não interferir no curso dos acontecimentos mais do que é necessário. Essa é a graça da maioria dos enredos que envolvem viagem no tempo: o fato de uma intervenção no passado mudar as circunstâncias futuras é o maior dilema dessas tramas, afinal, alguns personagem poderiam até deixar de existir. Então, o autor sempre consegue deixar quem lê ou assiste em constante estado de suspense. O leitor/espectador apenas ilusoriamente sabe o que vai acontecer no futuro.
Na adaptação para a TV não é diferente. Mas o roteiro da série buscou elementos que fizeram sucesso em tramas como Guerra dos Tronos e não poupa o espectador de cenas fortes de violência e crueldade. Curiosamente, a série caiu no gosto do público feminino no exterior e isso foi atribuído à força da atriz Caitriona Balfe e também de Sam Heughan, que formam o par romântico da trama e estão absolutamente entregues aos respectivos papéis, sobretudo, nas cenas mais quentes.
A recriação das Terras Altas escocesas e os costumes dos antigos clãs são impecáveis. Quem gosta de narrativas históricas poderá ver algo que pouco é retratado no cinema e TV: personagens falando em inglês antigo e no idioma da época (no caso é o gaélico escocês) e vestimentas que destacam com exatidão a posição dos integrantes daquele tipo de sociedade. Uma curiosidade: a série destaca objetos da época, como o fato de padronagem do xadrez dos tecidos indicar o clã ao qual uma família pertence, assim como os broches que os prendem ao corpo de homens e mulheres.
Livro e série contam a história do início da decadência desse estilo de vida e como os acontecimentos se desenrolaram nas Highlands. Antes essa região era isolada e tinha certa independência de costumes, mas precisavam se sujeitar à coroa inglesa. Com a queda dos clãs, a força política do centro do governo britânico prevalesceu. Isso é até hoje motivo de discussão. Não à toa, a Escócia fez recentemente um plebiscito para decidir se permanecia ou não como país ligado ao Reino Unido ou independente. A permanência ganhou por pouco.

O toque de fantasia do enredo da saga Outlander também é recheado de lendas celtas, a começar pelo início da narrativa, já que a protagonista atravessa uma espécie de portal do tempo em um antigo círculo de pedras. Aos poucos, os personagens vão revelando toda a mística em torno desses locais assim como os rituais druidas. Essa mescla de história, folclore, paisagens idílicas das Highlands e personagens muito intensos tornam a série Outlander singular. São tantos detalhes e ações, que é preciso assistir devagar para aproveitar. Já vi duas vezes e, como sempre acontece, na segunda pude absorver muito mais detalhes e perceber o capricho da produção e como as descrições do livro foram bem aproveitadas. Há bastante independência do roteiro televisivo em relação ao livro, o que me parece ser bastante vantajoso para o desenrolar de novas temporadas. 
Mas toda a riqueza de informações de livro e série deu origem a uma loja virtual em que os fãs podem comprar produtos oficiais da série. E o site oficial tem muitas curiosidades: https://www.starz.com/series/outlander/episodes
Agora é esperar que o Netflix disponibilize logo a segunda temporada e torcer para que seja tão boa quanto a primeira.




domingo, 23 de outubro de 2016

Ben Affleck faz um contador bom de briga

O filme O contador tinha tudo para ser mais um longa de ação, tiros e pancadaria. Mas o fato é que o roteiro é assinado pelo excelente Bill Dubuque (O juiz/2014), que vem enfileirando um filme mais interessante que o outro e atraindo a atenção das estrelas de Hollywood para longas que, de início, estão longe de ganhar os holofotes, mas acabam se destacando justamente pelas tramas bem elaboradas. Ben Affleck, por sua vez, também está em um ótimo momento da carreira e também vem selecionando papéis que o desafiam como ator, ainda mais agora que pode ficar estigmatizado como um Batman que ainda não mostrou muito a que veio.
O enredo de O Contador conta a história de Christian Wolff, um menino com Síndrome de Savant, com extrema habilidade mental para memorizar fatos e números, mas que sofre com problemas de interação social. Filho de um militar rigoroso, o garoto é treinado pelo pai para utilizar ao máximo as habilidades cerebrais e acaba se tornando um contador a serviço de mafiosos, traficantes e empresários ligados a atividades ilícitas.
Ben Affleck convence no papel. E não é só porque há um ligeiro dejá-vu de Demolidor (2003). Isso porque o roteiro o apresenta como uma espécie de super-herói disposto a ajudar os outros com suas habilidades extremas. Entretanto, precisa manter a identidade em segredo por estar sempre na berlinda entre o bem o mal. Além disso, faz o tipo cara durão e bom de briga e, em alguns momentos, um cowboy atirador. É uma mescla de diversas referências cinematográficas, com uma abordagem psicológica, já que a força do personagem vem justamente das dificuldades psíquicas enfrentadas. A trama reúne ainda J.K. Simmons (Ray) que faz um agente do imposto de renda americano e Anna Kendrick (Dana), uma contadora. Os dois personagens servem para nos mostrar os pontos de conexão da trama que vai ocorrendo em separado ao longo do filme e a maneira como o personagem de Affleck lida com as emoções e pessoas.
O que pode incomodar alguns espectadores é o fato de o enredo não ser linear, o que faz a trama perder um pouco o ritmo de ação e tornar alguns pontos um tanto confusos. Mas, ao final, essas aparentes falhas de roteiro indicam um propósito satisfatório. O enigma pode até ser decifrado um pouco antes por quem está mais atento à história.
O diretor Gavin O’Connor demonstra experiência à frente de filmes policiais, com cenas bem feitas de luta, mas com clichês típicos de longas de ação. Isso não é ruim, pois agrada o público em busca tiros e briga.
Se por um lado o longa apresenta as imensas dificuldades vividas por alguém que possui algum tipo de problema ligado ao autismo, por outro, demonstra que a sociedade ainda não sabe lidar com a ideia de que o nível de inteligência de grande parte da sociedade ainda não é calculado de uma maneira confiável ou adequada às habilidades de cada um e que o ser normal está muito longe das estatísticas consideradas oficiais. É um filme de pancadaria sim, mas também nos apresenta uma mensagem importante sobre como estamos lidando com o que consideramos diferente.

Apesar de o roteiro ser bem engendrado, fica a impressão da necessidade de um novo filme para explicar algumas características desenvolvidas pelo personagem. Se foi de propósito ou não e se a ideia for tornar o filme uma franquia, ficou faltando um pedaço da história de transformação do menino para o super-herói. O filme surpreendeu em bilheteria nos Estados Unidos no final de semana de estreia. Vamos aguardar se isso irá encorajar os produtores para uma continuação.





O Contador
Direção: Gavin O'Connor 
2h10


domingo, 16 de outubro de 2016

Inferno vale apenas para os fãs de Tom Hanks

Por Dora Carvalho

Após o sucesso estrondoso em torno do livro O código Da Vinci, o escritor Dan Brown manteve a fórmula nos romances seguintes, sempre embalando as estórias com algum tipo de provocação a governos, corporações ou instituições religiosas. A polêmica que gira em torno de suas últimas obras sempre é o termômetro para o sucesso ou não das adaptações para o cinema. Mas tem outro fator que vem estendendo a vida do personagem Robert Langdon nas telas: Tom Hanks.
Inferno, a terceira adaptação para as telas de um livro de Dan Brown, apresenta mais um caso a ser resolvido pelo professor de simbologia Robert Langdon que, desta vez, precisa impedir que um grande mal se espalhe pelo planeta. O enredo utiliza a simbologia do Inferno de Dante, tanto de A divina comédia de Dante Alighieri, como a obra O abismo do inferno, do pintor renascentista Sandro Botticelli, e leva o espectador a desvendar, junto com o personagem, os caminhos que podem levar ao extermínio ou não da humanidade.
O filme é bastante fiel ao livro, mas ganha em ritmo e velocidade, já que a estória de Dan Brown tende a se arrastar em alguns momentos da trama. Mas o fato é que o carisma de Tom Hanks vai levando o espectador pelo enredo e, mesmo com algumas fantasias exageradas na adaptação para as telas, o carisma do ator pelo menos nos leva a rir da situação. O roteiro, assinado por David Koepp, perde, porém, em tirar do espectador o suspense que os livros de Dan Brown costuma imprimir em seus enredos, fato que pode deixar muitos fãs do autor muito desapontados.

O longa é bem melhor que Anjos e demônios (2009), que derrapou feio em bilheteria e foi execrado pelos fãs de Dan Brown. Tanto que Inferno conseguiu no final de semana de estreia melhor resultado em bilheteria até agora. Produtores e distribuidores tiveram a esperteza de lançar o filme em um período de poucos destaques, o que deve alavancar as vendas de ingressos. Ou deve ser Tom Hanks mesmo que atrai fãs, seja como Forrest Gump, Capitão Philips ou Robert Langdon.





Inferno
Direção: Ron Howard - 117 min. 

sábado, 8 de outubro de 2016

Duas vezes Colin Firth

Por Dora Carvalho

O ator Colin Firth passeia pelo drama, comédia, ação, aventura com a mesma desenvoltura e elegância dos atores de antigamente. Desde que atingiu o estrelato no papel de Mark Darcy em O Diário de Bridget Jones, em 2001, não tem um ano em que o ator não esteja estrelando um longa, seja um blockbuster ou uma produção do circuito independente.
O fato é que mesmo antes do estrelato, em 1995, na BBC, Firth já mostrava que a carreira seria longa, após o sucesso como Mr. Darcy na série televisiva Orgulho e Preconceito (1995). À época, acabou sendo considerado a personificação perfeita do personagem do romance de Jane Austen. Não à toa, quando o livro O diário de Bridget Jones foi adaptado para a telona, logo o nome de Colin Firth veio à tona para interpretar Mark Darcy ao lado da protagonista da história, já que o romance é uma versão satírica de Helen Fielding para o clássico da literatura britânica. Bridget Jones é uma anti-heróina dos nossos tempos que se apaixona pelo sisudo e rico Mark Darcy, assim como Lizzy Bennet e Mr. Darcy em Orgulho e Preconceito.
De lá para cá, a comédia romântica é sucesso de público e ganha uma terceira história. Desta vez, Bridget e Mark Darcy tem de lidar com uma gravidez não planejada e, para piorar, a protagonista não faz a menor ideia de quem é o pai. O filme tinha tudo para ser apenas uma esticada forçada no enredo que parecia já ter se esgotado. Mas o talento dos atores, tanto de Renné Zwelleger como Colin Firth, faz com que o filme renda um momento de entretenimento que vale à pena aproveitar. É nítido que os atores estão se divertindo em cena, provando que mesmo os mais talentosos podem se dar ao luxo de fazer um trabalho leve, para entreter as massas, sem se preocupar com a crítica. O filme é divertido e acerta em cheio ao tratar dos dramas das mulheres na faixa dos 40 anos, com bom humor e de um jeito bem politicamente incorreto.







Já o filme O mestre dos gênios (2016) traz Colin Firth em um drama biográfico. O ator vive Maxwell Perkins, o famoso editor de escritores como Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e Thomas Wolfe, vivido no longa com mais destaque por Jude Law. O enredo apresenta a maneira peculiar com que Perkins editava os livros e sugere que a grandeza das histórias desses autores estava na influência do editor sobre o trabalho dos romancistas e funcionava como uma espécie de mentor para eles. Foi Perkins que descobriu o talento desses artistas, quando ainda eram completos desconhecidos. O filme se passa nos anos 30, com uma bela recriação de época e um trabalho afinado do diretor de teatro Michael Grandage, que está a frente de sua primeira produção para o cinema. O longa, que tem ainda Nicole Kidman, Laura Linney e Guy Pearce, deve estrear no final deste mês.