domingo, 18 de setembro de 2016

Francofonia: uma reflexão sobre o legado da arte

Por Vilma Pavani

O cineasta russo Alexander Sokúrov tem uma legítima preocupação com a História e, em especial, com a arte que a permeia e representa. Ele já nos deu a Arca Russa em 2002, quando o tema era o Hermitage, o grande museu russo, e agora nos traz Francofonia, o Louvre sob Ocupação, de 2015. Não se pode classificá-lo totalmente: é ao mesmo tempo um filme, documentário, ficção, a visão pessoal de uma época e uma temática. De certa forma, reescreve uma fase da história – a ocupação da França pelos exércitos de Hitler, a partir das imagens do diretor em seu escritório tentando contato com um navio que carrega inúmeras obras de arte, em meio a um mar bravio, que não sabemos exatamente onde fica. A comunicação é difícil e fragmentada, sendo difícil prever o que pode acontecer com o navio e seu precioso carregamento. Até porque, sabe-se, uma das formas de se reduzir os riscos de naufrágio é jogar a carga ao mar. A tecnologia é insuficiente para conectar os personagens (diretor/capitão) com segurança, assim como o destino das obras de arte (hoje ou em qualquer época) está sujeito a uma série de variáveis históricas, geográficas, humanas, etc. Seria possível salvar as obras e o navio? Não há resposta no filme – como não há resposta para isso no mundo real, em que as guerras já causaram a perda de tantas coisas belas – lembremos que recentemente talibãs destruíram sítios arqueológicos de valor inestimável, por exemplo. E a qualquer momento, tudo pode acontecer.
É um filme nada fácil – Sokúrov nunca é fácil – e que exige do expectador uma ligação direta com as angústias do diretor com relação ao passado/presente/futuro da arte. No caso do Louvre, fica claro que a sintonia entre o invasor e o perdedor, mesmo que nunca clara e transparente, foi necessária para a sobrevivência de muitas das maiores obras de arte de todos os tempos, ameaçadas pelas botas da soldadesca. O valor dado por Sokúrov à herança cultural é visível em cada detalhe e particularmente pela frase que o identifica: “O que seria de mim se não conhecesse os olhos dos que vieram antes de mim?”.
Cores saturadas, personagens que vagueiam pelo museu, uma fotografia maravilhosa, fazem de Francofonia uma grande experiência, um ponto de reflexão. Se a ideia é se divertir, fique longe desse filme. Nada contra o cinema de diversão, mas a proposta aqui é outra.
Ah, fiquei curiosa sobre o título, e na minha santa ignorância desconhecia que é um termo bem específico. De modo geral, diz o dicionário que trata-se da adoção da língua francesa como língua de cultura por quem tem outro idioma como vernáculo. Ou como explica mais longamente a Wikipedia, “francofonia é a região linguística descontínua e que corresponde à comunidade linguística que envolve todas as pessoas que têm em comum a língua francesa, chamadas de "francófonas" ("francoparlantes" e "francofalantes" são grafias também aceitas), e, a partir dela, compartilham de aspectos culturais semelhantes. Integrados nesta comunidade estão também os que têm o francês  como segunda língua. Essa diáspora provocada pelos falantes iniciais espalhou pelo mundo o idioma francês. Assim foi feita uma distribuição geográfica da língua francesa, que compreende a análise da distribuição dos milhões de francófonos que há no mundo. É o idioma oficial, ou co-oficial, principalmente, de países americanos, africanos e europeus.”
O filme já estreou há algumas semanas, mas ainda dá tempo para ver nas salas do circuito de artes.





Francofonia: Louvre Sob Ocupação (Francofonia) – França, Alemanha, Países Baixos, 2015
Direção e roteiro: Aleksandr Sokúrov
Elenco: Aleksandr Sokúrov, Louis-Do de Lencquesaing, Benjamin Utzerath, Vincent Nemeth, Johanna Korthals Altes, Jean-Claude Caër, François Smesny, Peter Lontzek
Fotografia: Bruno Delbonnel

Vilma Pavani é jornalista, não é francófona, mas ama a língua e cultura francesas.

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